Sempre me encantava, quando criança, ver as embarcações desaparecerem na linha do horizonte, até onde meus olhos podiam enxergar. Acreditava que elas sumiam até “um fim”. Meus olhos ficavam à deriva, vendo o diminuir dos barcos.

Mas, na manhã seguinte, as embarcações reapareciam empurradas até a areia, cheias de peixes, com os pescadores cansados e felizes e toda a gente em volta querendo ver o que eles traziam.

Tudo isso me veio à memória porque estava relendo Clarice Pinkola Estés, quando ela conta do ciclo “natureza vida-morte-vida”. Ela fala dessa sabedoria feminina, que mora dentro de cada mulher, mas que às vezes a gente esquece. Ela fala de como morremos e nascemos muitas vezes na mesma vida, no mesmo relacionamento, no mesmo mês… às vezes até no mesmo dia se permitirmos aprender com os ciclos! Tem mais: Clarissa nos fala como essa morte não é só um fim, mas como é condição para que possa haver um renascimento.

Às vezes carregamos dentro da gente um baú de mágoas, dores e rancores – velhos ou novos; vícios gastos, escolhas erradas, ferimentos mantidos sangrando, expectativas empoeiradas, decepções remoídas, culpas amareladas. Vamos amealhando arquivos abarrotados que crescem e crescem embotando a vida.

Mas o compasso indica a direção: deixe ir. Desapegue-se. Abra espaço, porque não conseguimos comportar tanto e ainda ter leveza na vida. Quando insistimos em manter vivos certos sentimentos, pensamentos, quando insistimos em manter as mesmas palavras e atitudes a respeito de nós mesmas e dos outros, impedimos nosso crescimento, impedimos que o novo ganhe espaço. E se não há espaço, nada nasce.

Barco não foi feito para ficar atracado. Barco tem que ir, ficar pequenininho e sumir no horizonte. Assim, não nascemos para sermos sempre as mesmas, ancoradas aqui onde estamos. Temos que ir mar adentro, ir para o alto mar, enfrentar ventos e tempestades, apreciar a aurora e o pôr do sol, entender os ciclos da lua e das marés. E quando nosso barco volta, ah… já não é mais o mesmo. Volta carregado de peixes, de aprendizados, de novas experiências.

Compreender a natureza vida-morte-vida é desatracar o barco. Deixar que ele siga viagem nesse mar íntimo de aprendizado com os ciclos. E confiar na profunda sabedoria interior, que é a nossa verdadeira bússola.

Por Clara Ayres

Comments
  • Amanda Mariatti
    Responder

    Uallll amei !!! Maravilhoso

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